'Menino bolha': a eterna quarentena de David Vetter

20/08/2020 às 15:003 min de leitura

A Síndrome da Imunodeficiência Combinada Grave (SCID) é um distúrbio genético raro caracterizado pela insuficiente produção de células T e B (os linfócitos), que são responsáveis pela proteção do corpo humano contra infecções. Em um sistema imunológico deficiente, esses anticorpos estão presentes em níveis extremamente baixos ou são inexistentes, podendo levar o bebê a uma morte prematura nos primeiros instantes de vida.

De acordo com estudos, 1 em cada 58 mil crianças nascem com essa doença no mundo, e há cerca de 50% de chances de pais gerarem bebês com essa mesma patologia mais de uma vez. 

Isso foi o que os médicos avisaram ao casal David Joseph Vetter Junior e Carol Ann Vetter, depois que eles perderam Phillip Vetter aos 7 meses de idade e estavam esperando um filho de novo. Eles já tinham Katherine Vetter, que era perfeitamente saudável, e contavam fielmente com essa possibilidade.

O eterno isolamento

(Fonte: NPR/Reprodução)(Fonte: NPR/Reprodução)

Em 21 de setembro de 1971, David Phillip Vetter nasceu no Children’s Hospital, em Houston (Texas, EUA), com a herança genética grave herdada de seu último irmão, a qual seus pais tanto temeram que se repetisse.

O menino nasceu sobre uma cama esterilizada de hospital e dentro de um ambiente todo desinfetado, pois os médicos já contavam com essa possibilidade. Ele imediatamente foi colocado em quarentena dentro de uma câmara feita de plástico, onde nenhum germe ou bactéria poderia alcançá-lo. Quem estava do lado de fora só podia acessá-lo através de mangas de plástico enluvadas. Ele jamais poderia ter contato de sua pele com a de outra pessoa.

(Fonte: CBS News/Reprodução)(Fonte: CBS News/Reprodução)

A única solução que poderia mudar a vida de David era um transplante de medula óssea, que ainda era um processo muito novo na Medicina naquela época. Apesar de aterrorizados com a possibilidade de algo dar errado, a única saída que os pais tinham era submeter a filha mais velha ao procedimento quando tivesse idade o suficiente para fazê-lo, pois era a doadora com maior potencial de compatibilidade.

O garoto e sua bolha

(Fonte: PBS/Reprodução)(Fonte: PBS/Reprodução)

"O garoto-bolha", essa é a forma como David Vetter ficou conhecido no hospital onde passou os primeiros anos de sua vida e o modo que foi chamado pela mídia assim que seu caso começou a atrair atenção pública. Antes de fraldas, roupas, alimentos ou brinquedos entrarem em sua casa-bolha esterilizada, eles eram colocados em uma câmara de gás de óxido de etileno por 4 horas, em uma temperatura de 17 ºC, e depois eram arejados durante 7 dias. 

A câmara era mantida com ar e inflada através de compressores barulhentos que prejudicaram um pouco a audição do garoto e a sua comunicação com quem estava de fora. Uma vez que um transplante de medula era algo muito recente, os médicos decidiram que David teria uma vida o mais normal possível até que chegasse a hora.

(Fonte: Sadistic/Reprodução)(Fonte: Sadistic/Reprodução)

Após 3 anos vivendo em um hospital, os médicos construíram para David uma casa-bolha na residência da família Vetter, para que ele pudesse crescer de uma maneira mais apropriada. Em seu isolamento, ele foi educado, alfabetizado, tinha uma televisão e até uma mesa de jogos. Na medida do possível, ele conseguiu fazer amigos, mas passava a maior parte de seu tempo interagindo com a irmã.

Um amigo do casal chegou a fechar um teatro local da cidade de Conroe para que David pudesse assistir a O Retorno do Jedi em sua câmara de transporte. Todos se esforçavam tanto para que o menino vivesse bem (até doces durante o Halloween ele entregava para os vizinhos!). 

Em 1977, aos 6 anos, a sua história já era extremamente popular nos Estados Unidos, principalmente por conta dos estudos científicos ao redor de sua doença. Foi então que cientistas da NASA, comovidos com o caso do garoto, decidiram desenvolver um traje que permitia David caminhar para fora da câmara, ainda que sempre conectado ao ar límpido da bolha. Isso foi o mais próximo que ele chegou de um contato externo com o mundo, usando 7 vezes esse equipamento, mas, aparentemente, ele perdeu o interesse depois. Esses já eram os primeiros sinais de que nem tudo estava bem.

A solidão de Vetter

(Fonte: PBS/Reprodução)(Fonte: PBS/Reprodução)

Apesar do esforço que David e aqueles ao seu redor faziam, todos os empenhos não foram o suficiente. Conforme amadureceu, ele começou a apresentar sintomas de depressão. O garoto era brilhante, sociável e otimista, mas ainda tinha que lidar com um fardo grande demais e tão precocemente.

Sem um sistema imunológico adequado, David nunca provou nenhum tipo de doce ou refrigerante, principalmente Coca-Cola, que sempre foi a sua maior ambição. Ele só pôde provar o próprio bolo de aniversário quando tinha 5 anos, pois os pais conseguiram encontrar uma versão esterilizada dele, mas que era embalada a vácuo em uma lata e tinha gosto de plástico – igual ao mundo ao seu redor. A vida era tão privada que sequer o gosto de creme dental ele sentiu, pois tinha que escovar os dentes com sal e bicarbonato de sódio, visto que havia germes no produto.

Ao longo de sua quarentena, a medicina evoluiu o suficiente para que arriscassem o tão famoso transplante de medula óssea que mudaria a sua vida. A cirurgia ocorreu sem incidentes e o organismo de David não rejeitou o transplante vindo da irmã, porém ele foi diagnosticado com mononucleose infecciosa. Em 22 de fevereiro de 1984, aos 12 anos, David Vetter faleceu de linfoma, quatorze dias depois do procedimento que deveria salvá-lo.

(Fonte: CBS News/Reprodução)(Fonte: CBS News/Reprodução)

Foi só durante a autópsia que os médicos detectaram que havia um vírus dormente chamado Epstein-Barr, o Herpesvírus humano, na medula óssea de Katherine.

Os 12 anos de vida de David Vetter e quase US$ 2 milhões gastos forneceram estudos no comportamento da Síndrome da Imunodeficiência Combinada Grave em todo o mundo, principalmente a conclusão de que cerca de 91% dos bebês submetidos a um transplante aos 3 meses de vida sobrevivem. Em uma época que a tecnologia não era tão avançada como atualmente, o garoto ter ido tão longe foi considerado um recorde na Medicina.

Sob o epitáfio "O garoto que nunca tocou o mundo", David Vetter foi enterrado no Conroe Memorial Park, no Texas.

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