A loucura infame das irmãs Papin assombra a França até hoje

13/11/2019 às 14:005 min de leitura

Na cidade de Le Mans, no noroeste da França, a famosa corrida automobilística disputa lugar com a notoriedade e influência do caso das irmãs Papin. De modo banal e com um ar quase de lenda urbana, as duas mulheres se tornaram referência histórica para estudos, ensaios, teses, livros, filmes e séries — são um marco amargo e infame com intento agridoce.

A conturbada vida dos Papin

(Fonte: Newsbee/Reprodução)

A família Papin gerava problemas e era assunto em Le Mans antes de as irmãs nascerem. Na época, os boatos na comunidade eram de que Clémence Derré estava traindo o marido, Gustave Papin, com seu chefe. Em outubro de 1901, ela engravidou de Gustave, e eles se casaram no mesmo mês, para evitar que qualquer especulação fosse feita com relação à paternidade da criança. Emilia, a primogênita, nasceu em fevereiro de 1902, e apesar de todo o engajamento e a dedicação de Clémence com o relacionamento, o amor de Gustave pela mulher não conseguia ser o suficiente para eliminar todas as dúvidas e a desconfiança incansável que rondava sua cabeça e aumentava a cada dia.

Dois anos após o nascimento da filha, o homem encontrou trabalho em outra cidade e anunciou que a família se mudaria de Le Mans. Foi então que Clémence entrou em uma espiral de loucura e protestos, ameaçando cometer suicídio se ele insistisse na ideia de saírem dali. A reação da mulher, que já tinha um longo histórico de instabilidade emocional, apenas reforçou a suspeita de traição, e o casamento foi enfraquecendo.

Clémence odiava ser mãe. Não gostava de nada relacionado, tampouco da própria filha, e isso foi se fortificando conforme o casamento ia por água abaixo. Para tentar afogar as incertezas, Gustave acabou se tornando alcoólatra e, segundo registros e documentos inspecionados anos depois da tragédia, houve indícios de que ele começou a estuprar a filha diariamente.

Nesse ínterim, em uma tentativa frustrada de não cederem ao fato de que eram pais horríveis, negligentes e de que o casamento não existia mais, Clémence deu à luz Christine e Léa Papin. Mas nada adiantou; na verdade, tudo pareceu ter piorado com o nascimento das duas, pois o descontrole de Clémence aumentou, assim como as bebedeiras de Gustave, as quais resultavam em ataques de fúria.

Em comum acordo e cansados de toda aquela situação, os pais decidiram mandar Emilia, aos 9 anos de idade, para o orfanato católico Bon Pasteur Catholic Orphanage.

As irmãs inseparáveis

(Fonte: Cool Interesting Stuff/Reprodução)

Quando Christine Papin nasceu, em 8 de março de 1905, Clémence não a queria desde antes de sua concepção. Por essa e outras razões, a menina foi levada para morar com a irmã de Gustave, que acabou a criando. Com um temperamento difícil desde a mais tenra idade, aos 7 anos Christine foi tirada da casa dos tios e deixada no mesmo orfanato católico que a irmã mais velha, embora tivesse afirmado para a mãe que preferia ir para um convento.

Em 15 de setembro de 1911, Léa Papin, a última filha do casal, nasceu. A princípio, Clémence decidiu cuidar dela, mas acabou descobrindo que Gustave tinha abusado da filha mais velha, Emilia. Em vez de se horrorizar, a mulher se sentiu traída tanto por Emilia, que acusava de ter seduzido o pai, quanto por Gustave. A mulher colocou toda a culpa do divórcio nesses dois fatos e acabou deixando que Léa fosse criada pelos tios-avôs. Quando os parentes morreram, a garota foi enviada para perto das irmãs no orfanato, onde permaneceu até completar 15 anos e poder ser empregada.

A casa número 6 na Rua Bruyere

(Fonte: Crimino Corpus/Reprodução)

Com a sede de Clémence pelo salário das filhas e a necessidade de ter mais dinheiro, em 1926, com os dotes culinários que sabia que Christine tinha e a retidão aplicada de Léa, as duas foram trabalhar como empregadas na casa da família Lancelin: Monsieur René Lancelin, sua mulher Léonie e a filha Geneviève.

Em contraste com Christine, que era reconhecida por seu comportamento insolente e grosseiro, somente relevado por suas ótimas habilidades na cozinha, Léa Papin era tímida e introspectiva, o que facilitava a sua subserviência aos patrões e a todos os tipos de abuso de poder.

Christine ficava na cozinha e tinha o trabalho de servir, enquanto Léa era encarregada dos serviços gerais. Eram discretas, comunicavam-se apenas por escrito, faziam de tudo para não existir em meio à família, tornando-se um modelo a ser seguido pelas demais trabalhadoras. Fora isso, eram consideradas "boas meninas" por serem educadas, diligentes e por todos os domingos irem à missa na igreja local. Eram tidas como pouco sociais, preferindo, por vezes, a clausura do próprio quarto a aproveitar as 2 horas de almoço que tinham.

As irmãs trabalhavam cerca de 14 horas por dia sob as ordens rigorosas e excessivas de Léonie Lancelin, que usava a técnica da "luva branca" para inspecionar o nível de limpeza da superfície dos móveis. A mulher ordenava que ambas repetissem o mesmo trabalho várias vezes ao dia, e, caso não fizessem da maneira como foram instruídas, ela descontava de seus salários.

Orgia de sangue

(Fonte: Sid3/Reprodução)

Em 1933, após 6 anos de serviço para a família, as irmãs Papin desenvolveram uma imagem materna de Léonie, principalmente quando a patroa descobriu que as duas enviavam para a mãe todo o salário que recebiam. Assim, a mulher passou a encorajá-las para que não fizessem mais isso, mas essa bondade não durou muito. Com o passar do tempo, ela se tornou ainda mais severa, e o que antes eram ordens ríspidas evoluíram para agressões físicas, com tapas, socos, beliscões e puxões de cabelo.

Os abusos que aumentavam a cada dia foram minando o afeto que as irmãs nutriam pela mulher e o transformando em ira e revolta. Até que, na tarde de 2 de fevereiro de 1933, Léonie e Geneviève foram às compras para um jantar na casa de um amigo da família, ficando fora o dia todo. Quando retornaram, por volta das 17h30, encontraram a casa mergulhada na escuridão. Era a segunda vez na semana que o ferro de passar roupa provocava a queima de um dos fusíveis enquanto Christine o usava. Na mesma semana, ela fora obrigada a levar o aparelho a um técnico, pagando com o próprio dinheiro só para confirmar que o apagão não tinha sido causado pelo objeto.

Christine avisou que o ferro tinha quebrado mais uma vez, e isso foi o suficiente para que Léonie surtasse. Ela xingou, esbravejou e bateu em Christine. A empregada, porém, não conseguiu se controlar: pegou um jarro e o atirou na cabeça da senhora Lancelin. Vendo toda essa cena, Geneviève saiu em defesa da mãe e passou a discutir e agredir Christine de todas as formas. Atraída pela gritaria, Léa imobilizou Geneviève até que ela caísse no chão, então arrancou os olhos da moça com as próprias unhas.

Léa falou para que Christine fizesse a mesma coisa com Léonie enquanto ela buscava uma faca e um martelo. Quando voltou, as duas irmãs espancaram, esfaquearam e deram marteladas no corpo de Léonie e Geneviève Lancelin durante 30 minutos. Elas prepararam os cadáveres como se fossem uma refeição, fatiando e os regando com o sangue da menstruação de Geneviève.

Quando a polícia entrou no local, após ser acionada por René Lancelin, o psiquiatra Jacques Lacan definiu a cena do crime como "uma orgia de sangue", devido à maneira como os crânios das duas mulheres foram esmagados contra o piso.

"Eram elas ou nós"

(Fonte: Citazine/Reprodução)

Christine e Léa Papin foram encontradas nuas e ensanguentadas, deitadas juntas em uma das camas do quarto que dividiam. Elas confessaram o crime de maneira calma e sem nenhum traço de remorso. As irmãs foram presas em celas separadas, o que causou um índice violento de estresse em Christine, deixando claro que ela mantinha uma relação incestuosa com Léa.

Conforme toda a França fervia à espera do julgamento das irmãs assassinas, Christine tinha ataques de loucura que duravam horas, a ponto de ter que ser contida à força para que não tentasse arrancar os próprios olhos. No tribunal, ela alegou que tinha sofrido um desses episódios, justificando o crime, mas também disse que o que elas fizeram não passava de uma manifestação da classe trabalhadora contra a burguesia opressora e abusiva da época, o que acabou inspirando pequenas revoluções dos pobres para denunciar as condições que sofriam ao conviver com os ricos.

As palavras finais de Christine sobre o assassinato das Lancelin foi: "eram elas ou nós". Em setembro de 1933, após várias deliberações e análises psicológicas, o juiz concluiu que as irmãs Papin eram sãs e condenou Léa a 10 anos de reclusão por ter sido influenciada por sua irmã mais velha. Já Christine foi condenada à prisão perpétua.

Em 1941, Léa foi liberada e se mudou para Nantes, onde passou a trabalhar em um hotel e viver com a mãe sob uma nova identidade. Christine, por outro lado, teve um destino tão amargo quanto sua sentença eterna. Sem a irmã, ela sucumbiu à depressão profunda e à loucura extrema, mas foi a autopenitência que decretou seu fim: ela deixou de comer, até que foi encontrada morta em sua cela.

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