A beleza das vozes operísticas

30/10/2014 às 07:556 min de leitura

É comum ouvir por aí o termo “tenor” associado à proficiência de determinado cantor — quase sempre se trata de um intérprete de óperas ou músicas ditas “eruditas” as mais variadas. Isso é até bastante compreensível, dado o status de superestrela concedido a nomes como Luciano Pavarotti, Plácido Domingo e José Carreras.

Entretanto, a despeito do que a utilização popular possa indicar, trata-se, antes de uma categoria utilizada para identificar um grupo de vozes semelhantes segundo determinadas convenções. No caso, “tenor” se refere ao vocal masculino mais agudo dentro do registro modal. E há aí pelo menos mais dois grandes grupos: o dos “barítonos”, na porção intermediária do espectro vocal; e a dos “baixos”, cobrindo os tons mais graves (e realmente bastante cavernosos em alguns casos).

A divisão segue a mesma lógica para os vocais femininos, embora com uma nomenclatura própria. No caso das mulheres, a voz “soprano” cobre as porções mais agudas do espectro musical, ficando a “mezzo-soprano” com o setor intermediário e, por fim, a voz “contralto” com as regiões mais graves.

Mario Del Monaco

Entretanto, há diversas subclassificações entre esses pontos. Há, de fato, subcategorizações tão precisas que praticamente remetem à obra de um único compositor. E, como tudo na vida, há também aqueles casos que escapam alegremente da exclusividade de quaisquer rótulos — como os controversos castrati de alguns séculos atrás. Vale olhar isso mais de perto, conforme nos sugeriu o leitor Alan Rodrigues.

Classificação imprecisa

Antes de tudo, vale deixar claro que as divisões são apenas uma aproximação para classificar tipos de vozes. A classificação mais comumente utilizada para a música erudita no geral possivelmente tem raízes bastante pragmáticas. Afinal, as peças são normalmente projetadas pelo compositor para que ganhem vida em tipo específicos de voz — o que pode ser bem complicado no caso de tipos incomuns ou mesmo raros.

Entretanto, a tal divisão não deve ser tomada como compartimentos isolados. Na verdade, é bastante comum que alguns intérpretes pertençam, simultaneamente, a várias categorias ou subcategorias. Adicionalmente, a voz de um artista pode mudar consideravelmente ao longo dos anos, fazendo com que se alterem características da sua voz — resultando, às vezes, em uma mudança completa de categoria.

Kathleen Battle

Conforme reforça o site do The National Opera Center, “no fim das contas, o que realmente importa é que repertório fica melhor para determinado cantor em particular e o que fica mais confortável em sua voz”.

Vozes masculinas

Tenor

O termo “tenor” é utilizado para identificar as vozes mais agudas no espectro masculino. Um tenor pode ser ainda:

Leggero: encontrado em operas de Handel, Rossini e em composições variadas dos séculos XVIII e XIX. Sua voz ágil e aguda normalmente é utilizada para interpretar o herói da trama. Um bom exemplo de tenor leggero é Juan Diego Florez.

Lírico: tenores com vozes mais leves e cristalinas, com vozes normalmente escolhidas para dar vida a protagonistas românticos. Muito comum em peças de Mozart, por exemplo. Um bom exemplo de tenor lírico é Roberto Alagna.

Spinto/dramático: assim como a soprano spinto/dramática, os tenores dessa categoria possuem as vozes encorpadas normalmente associadas à ópera italiana do século XIX. Normalmente interpretam heróis impulsivos e, naturalmente, também trágicos. Jonas Kaufmann é um bom exemplo de um tenor spinto/dramático.

Heldentenor: trata-se de uma categoria que, mesmo abrangente, se refere às necessidades específicas das óperas de Richard Wagner. Trata-se, afinal, de um “tenor heroico” — cujo papel normalmente reflete um herói de proporções épicas. Lauriz Melchior é um bom exemplo de um tenor heldentenor.

Comprimario: um tenor especializado em papeis cômicos. Normalmente são cantores com capacidades cênicas excepcionais, sendo ainda capazes de alterar consideravelmente a voz para dar vida a vários personagens diferentes. Michel Sénéchalé um bom exemplo de um tenor comprimario.

Contratenor: trata-se do registro mais agudo entre as vozes masculinas. Um contratenor normalmente é um tenor ou barítono que se especializou nas frequências mais agudas, desenvolvendo um alcance semelhante à das mulheres mezzo-sopranos (abaixo). Originalmente, os contratenores cantavam músicas renascentistas ou barrocas compostas para os castrati (abaixo) — embora hoje em dia existam peças desenvolvidas especificamente para esse tipo vocal. Christophe Dumaux é um bom exemplo de um contratenor.

Barítono

O termo “barítono” é utilizado para identificar as vozes de um setor intermediário do espectro masculino. Um barítono pode ser ainda:

Barítono-Martin: barítonos de voz mais aguda e brilhante, associados sobretudo com a música francesa de Claude Debussy. O posto também pode ser ocupado por tenores com vozes graves reforçadas. Pierre Bernac é um bom exemplo de um barítono-Martin.

Lírico: barítonos com vozes mais suaves, muito associados a óperas de Mozart. Os papéis podem tanto ser sérios quanto cômicos. Sir Thomas Allen é um bom exemplo de um barítono lírico.

Verdi: os barítonos Verdi levam essa designação em razão das óperas do compositor italiano Giuseppe Verdi — em que normalmente interpretam vilões. Com vozes poderosas, esses barítonos conseguem dividir espaço mais facilmente com uma orquestra completa. Ettore Bastianini é um bom exemplo de um barítono Verdi.

Baixo-barítono: trata-se de um cantor cujo registro possui características dos tipos “barítono” e “baixo” — embora, dependendo do caso, possa haver predominância de um dos tipos. Um papel típico de um baixo-barítono é o do Barão Vitellio Scarpia, da ópera “Tosca”, de Puccini. Ruggero Raimondi é um bom exemplo de um baixo-barítono.

Baixo

O termo “baixo” é utilizado para identificar as vozes mais graves do espectro masculino. Um baixo pode ser ainda:

Lírico: o tipo mais comum de baixo, normalmente associado a peças italianas. Com vozes normalmente um pouco mais agudas, os papeis destinados a baixos líricos frequentemente são ocupados também por baixo-barítonos. Entre as escolhas de papéis mais típicas, encontram-se homens idosos, pais, reis, sacerdotes e figuras que devem revelar sabedoria e autoridade. Ferruccio Furlanetto é um bom exemplo de um baixo lírico.

Buffo: conforme coloca o site do The National Opera Center, o baixo buffo se refere mais a um papel do que a um tipo vocal. Normalmente, é um estilo de baixo encontrado em óperas italianas cômicas — associado a personagens que ficam do lado “errado” de piadas e brincadeiras. John Del Carlo, em “O Barbeiro de Sevilha” (Rossini), é um bom exemplo de um baixo buffo.

Profondo: baixos com um grande poder vocal, embora seus timbres normalmente não sejam identificados como particularmente belos. Os papeis destinados a esse tipo vão do dramático ao cômico. Kurt Moll é um bom exemplo de um baixo profondo.

Vozes femininas

Soprano

O termo “soprano” é utilizado para identificar as vozes mais agudas no espectro feminino. Uma soprano pode ser ainda:

Soubrette: com voz bastante brilhante, as sopranos soubrettes normalmente interpretam mulheres jovens, às vezes ingênuas, mas invariavelmente cheias de vida. Conforme lembrou o referido site, o tipo normalmente é identificado como “papeis ina/Etta”, em razão dos vários personagens clássicos que terminam com esses suficos (Zerlina, Gianetta, Serpina, Nanetta). Kathleen Battle é um bom exemplo de uma soubrette.

Lírica: o tipo mais comum de soprano, destinado a diversos papéis — mulheres apaixonadas, condessas, mulheres de classe média etc. O estilo vocal é normalmente mais “pesado” do que o das soubrettes. Kiri Te Kanawa é um bom exemplo de uma soprano lírica.

Spinto: um subtipo frequentemente associado às óperas de Puccini e Verdi — assim como outros compositores italianos do século XIX. São vozes mais potentes e com grande “coloração dramática”. Galina Vishnevskaya é um bom exemplo de uma soprano Spinto.

Dramática: a mais ampla entre as vozes de sopranos, a soprano dramática é comumente associada às óperas de Richard Wagner e Richard Strauss. “Essas vozes devem ser ouvidas juntamente com grandes orquestras e são as que tomam mais tempo para desenvolver”, diz o texto do The National Opera Center. Birgit Nilsson é um bom exemplo de uma soprano dramática.

Mezzo-soprano

O termo “mezzo-soprano” é utilizado para identificar as vozes de um setor intermediário do espectro feminino. Uma mezzo-soprano pode ser ainda:

Lírica: são as mezzos de vocal mais brilhante e agudo, chegando mesmo a ocupar os papéis de sopranos em alguns casos. Também interpretam meninos e homens jovens, normalmente com indumentária condizente. Mezzos líricas têm vozes flexíveis e um grande alcance vocal. Alice Coote é um bom exemplo de uma mezzo-sorano lírica.

Dramática: mezzos com vozes amplas e de coloração semelhante à da soprano dramática. Normalmente interpretam mulheres maduras e/ou sedutoras ou vilãs. Embora raramente apareçam em óperas barrocas ou clássicas, as vozes mezzos dramáticas ganharam larga aplicação a partir do século XIX. Giulietta Simionato é um bom exemplo de uma mezzo-soprano dramática.

Contralto

O termo “contralto” é utilizado para identificar as vozes mais graves do espectro feminino. Trata-se de um registro complexo, possuindo tessitura grave mas competindo com as sopranos nos pontos mais agudos do espectro. Contraltos normalmente interpretam mulheres maduras nas óperas do século XIX, assim como também homens e mulheres nas óperas de Handel. Ewa Podles é um bom exemplo e uma contralto.

Os castrati

Um castrato é um voz semelhante a de uma soprano, de uma mezzo-soprano ou de uma contralto, embora seja produzida por um homem. Esse tipo era produzido pela castração dos cantores antes que chegassem à puberdade, de forma que a ação hormonal acabasse reduzida — embora, em alguns casos, problemas endocrinológicos naturalmente limitassem a maturação do cantor.

A castração de pré-adolescentes diminuiu grandemente ao final do século XVIII, tornando-se ilegal na Itália em 1870. Apenas uma única gravação de um castrato foi preservada até os dias de hoje. No vídeo abaixo, Alessandro Moreschi interpreta “Ave Maria”, em registro de 1902 — de forma que a qualidade sofrível deve ser relavada, é claro. Moreschi é considerado como o “Último dos castrati”.

Embora a castração de Moreschi possa ter ocorrido de acordo com a prática de preservar a voz de cantores jovens talentosos, há quem diga que o ato se deu por conta de uma hérnia inguinal congênita — para a qual se acreditava ainda à época que a castração seria o método mais apropriado.

Vale reforçar, entretanto, que a voz dos castrati se diferencia daquela obtida por vocais masculinos por meio da técnica conhecida como “falsete” — em que o tom produzido se encontra acima da região natural do cantor, sendo produzido por músculos da laringe. Um castrato era, efetivamente, um cantor cujas cordas vocais não amadureciam, de forma que o seu tom era naturalmente mais agudo.

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